Autoras:
*Élida dos Santos, Fisioterapeuta
**Nadia Cristina Valentini, Mestre e Doutora. Professora da Disciplina de Desenvolvimento Motor da Faculdade de Educação Física da ESEF/UFRGS
Ao longo dos anos, a marcha humana tem sido estudada por muitos pesquisadores, a fim de entender seus mecanismos e suas propriedades, através de pesquisas realizadas na área de desenvolvimento motor e aprendizado motor. McGrow e Gessel (Thelen e Smith, 1993) fizeram estudos científicos, em que o desenvolvimento humano parte do domínio motor, associando o processo de maturação como o motor primário das mudanças desenvolvimentistas. Assim, Gessel e Ames (1940) descreveram 23 estágios e 28 sub-estágios do comportamento prono, e ainda estenderam os seus estudos para a atividade social e mental do indivíduo. McGrow fez um esboço das sete fases da locomoção ereta, e acreditava que as fases da locomoção e outras mudanças motoras foram dirigidas por mudanças no córtex motor e influências inibitórias nos centros cerebrais baixos.
Thelen e Corbetta (1996) reiteram que a coordenação e o controle do movimento são realizados por estes padrões dinâmicos, pois os movimentos emergem de ambos os modelos cooperativos. É o acoplamento de um conjunto de componentes que constituem o comportamento em si, quer dizer, a interação da atividade coletiva neural, muscular, esquelética, vascular (coordenação intrínseca) com a interação cooperativa natural com as limitações ambientais (coordenação extrínseca). Assim sistemas físico, químico e biológico interagem conjuntamente para a criação do movimento humano e para o seu desenvolvimento (PAYNE e ISAACS). Sendo então, a tarefa motora influenciada tanto qualitativamente, quanto quantitativamente, pelas condições naturais do ambiente, como a temperatura, iluminação, área de superfície e gravidade (HAYWOOD e GETCHELL, 2004).
Thelen e colaboradores (1996) sugerem que o movimento humano e suas mudanças podem ser vistas como um sistema de auto-organização.
O movimento é um produto da organização do sistema nervoso central, das propriedades biomecânicas e energéticas do corpo, das propriedades do organismo, do meio-ambiente e as demandas específicas das tarefas. As interações não são hierárquicas, ou seja, comandos do cérebro que o corpo responde, mas são amplamente difundidas heterarquicamente, ou seja, baseadas nas escolhas, auto-organizadas e não-lineares, que são caracterizadas por estados relativos de instabilidade e estabilidade. Assim, o desenvolvimento pode ser visionado como uma série de padrões que evoluem e dissolvem-se da estabilidade dinâmica variada, ou seja, ele é mais do que um marco para a maturidade.
Quanto ao desenvolvimento motor normal, a aquisição da marcha independente nas crianças típicas inicia por volta de 1 ano de vida e, segundo Thelen (1986), esta aquisição é conquistada após a maturação de oito componentes, ou seja, oito subsistemas principais, que farão com que a marcha independente venha à tona. Estes oito componentes são: geração de um molde ou modelo, diferenciação articular, controle postural, fluxo de sensibilidade visual, controle de tônus, força extensora, limites corporais e motivação. E se algum ou mais desses subsistemas não alcançar um nível crítico para desencadear esta aquisição motora, eles poderão agir no limite da média, segurando a ascensão de um novo comportamento motor (CLARK, 1995).
O aprendizado do ficar em pé e locomover-se independentemente são uma das mais impressionantes proezas, pois a criança em seu primeiro ano de vida, gradualmente, aprende a rolar, a rastejar, a engatinhar, a empurrar-se para a posição de pé, e caminhar cruzado em volta do sofá. O aprendizado da marcha possui um sistema multidimensional, focado na coordenação, na posição do corpo, na força e na ativação muscular e, no tempo e na distância do ciclo da marcha (CLARK, 1995).
A marcha humana é dividida em Fase de apoio, em que se subdivide em período de contato; médio apoio, e impulsão. Após temos a Fase de balanço ou duplo apoio, em que ela é iniciada pela retirada do hálux e concluída com o toque de calcanhar. Outra fase seguinte a esta é a do Período de contato, no qual ela inicia com o toque de calcanhar e termina com a retirada do hálux da outra perna. E finalizando o ciclo, o Período de médio apoio, em que inicia com o término da pronação (para dar a impulsão).
A habilidade da marcha é um padrão complexo de ativação motora auto-organizado, porém quando ocorre um déficit, ou seja, uma lesão no sistema nervoso central há seqüelas para na organização motora. Uma lesão no neurôniomotor superior acomete os músculos, deixando-os contraídos, com alto controle cortical. Já uma lesão no neurôniomotor inferior resulta na flacidez muscular ou paresia, sem a habilidade para recuperar alguns movimentos (CEREBRAL PALSY AND LOKOMAT- LEARNING TO WALK).
Uma dessas lesões ocorre com a Paralisia Cerebral. Ela é geralmente nomeada como um grupo de características de disfunções motoras, havendo um prejuízo não-progressivo do cérebro, no início da vida. É considerada também, como parte de uma disfunção contínua, que abrange uma subnormalidade mental até a mínima disfunção do cérebro (LEVIS, 2000).
O principal problema da função motora das crianças com Paralisia Cerebral é o atraso ou impedimento do desenvolvimento motor, em que muitas ficam dependentes de cadeira de rodas ou alcançam um caminhar com baixo nível motor, caracterizado por uma velocidade baixa e um distúrbio do controle motor, em que resulta em muitas desabilidades, como por exemplo, na locomoção, em que apresentam dificuldade em dissociar os movimentos da perna. A diminuição da proeficiência e o desgaste energético no caminhar são alguns dos problemas enfrentados pela criança PC, além de haver uma baixa resposta de co-ativações musculares entre agonistas e antagonistas, diminuição do tônus, rigidez tendínea. Assim, para haver uma melhora nestas funções, os terapeutas utilizam manobras inibitórias no tônus; treinamento de equilíbrio postural; atividades na tarefa preparatória do passo, durante as posturas de engatinhar, sentar e ficar em pé (SCHINDL e col., 2000 e CEREBRAL PALSY AND LOKOMAT-LEARNING TO WALK!).
Assim, a habilidade motora do caminhar é relatada tanto em pesquisas para analisar o processo do caminhar em indivíduos típicos e atípicos, bem como, a intervenção motora propriamente dita, através da utilização da esteira ergométrica, com algumas adaptações, a fim de aprender ou reaprender a marcha em indivíduos com lesões neurológicas. Uma delas é a utilização da esteira ergométrica adaptada, BWSTT (Body-Weight-Supported Treadmill Training). E ela tem se mostrado com um recurso ímpar no reaprendizado motor da locomoção, pois ela permite uma otimização da estratégia da reabilitação locomotora, além de permitir a prática do padrão correto do passo cineticamente, de fornecer um suporte parcial no tronco, para manter um equilíbrio postural mais adequado. Esse tipo de treinamento ressalta o aprendizado motor de tarefa-específica, em que requer a repetição da habilidade motora, a fim de adquirir e reter o comportamento motor. Além do que, a colocação do arreio permite um maior controle postural e permite um controle sistemático e progressivo da marcha. Outra vantagem importante é que o fisioterapeuta consegue fornecer uma assistência manual para o paciente. Essa vantagem permite uma produção de um padrão de marcha mais normal, uma manutenção da posição ereta melhor, e assim uma maximização dos circuitos neurais supra-espinhal e espinhal. A BWSTT tem apresentado uma melhora bem maior na habilidade da locomoção, na função motora e no equilíbrio, do que nas técnicas de reabilitação convencional (CERNACK e col., 2008 e HORNBY e col., 2005).
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